– Não vamos estudar aquela História com
H, só com heróis e grandes eventos! Vamos estudar a partir da nossa
história, daonde e como viemos. Por exemplo, como é seu sobrenome?
– Oliveira.
– Pois é, muitos Oliveiras têm esse nome
porque eram imigrantes europeus, fugidos de perseguições religiosas,
então adotavam nomes de árvores ou plantas, Oliveira, Pereira, Trigueiro
e tantos outros. E o seu sobrenome? – Santos.
– Foi o nome adotado por muitos
ex-escravos ou filhos mestiços de fazendeiros com escravas. Você é, como
diz o IBGE, pardo, o que não é vergonha nem demérito algum, ao
contrário, a maioria do povo brasileiro é pardo. E o seu sobrenome?
– Vicentini.
– Origem italiana. Os italianos, como os
espanhóis, alemães, japoneses, vieram para cá para bater enxada,
trabalhar nos cafezais quando os escravos foram libertados.
O engraçadinho da turma levanta o braço:
– Meu sobrenome é Silva, professor. Tem mais Silva na lista telefônica que formiga em formigueiro. Daonde eu vim?
– Da selva. Silva é selva, em latim. Foi o
nome dado pelos romanos antigos aos que vinham das florestas para morar
na cidade, eram os “da selva”. Se a gente pensar que a maioria das
pessoas morava no campo há meio século, e depois se mudou em massa para
as cidades, a origem do nome até se justifica.
A turma espera em silêncio: aonde ele quer chegar?
– Proponho o seguinte. Vocês conversem
com seus pais, avós, tios, para saber dos antepassados. Daonde vieram,
por que, trabalharam e viveram onde e como. Cada um contará então a
história de sua família, e daí vamos situar essa história familiar na
história social. Vamos falar da cafeicultura, por exemplo, depois que
alguém falar que seu avô trabalhou com café.
Uma mocinha levanta a mão:
– Não só meu avô, professor, minha avó
conta que também trabalhava. Levantava às cinco, fazia café, dava de
mamar ao nenê, porque ela diz que sempre tinha um nenê no ombro, outro
na barriga e uma criança na barra da saia. Depois de fazer o café e
tratar das galinhas, recolher os ovos, tirar leite das vacas e cuidar da
horta, ela ia levar marmita pro meu avô e os filhos maiores no cafezal,
e ficava lá também batendo enxada até o meio da tarde, quando voltava
pra preparar e janta e…
– Bem, só com isso que você contou
podemos estudar a cafeicultura e o feminismo, comparando as famílias
daquele tempo e de hoje, tantas mudanças. Cada um de vocês, com sua
história, vai acender o fogo do conhecimento em cada aula. Eu só vou
botar lenha, dar as informações, vocês vão dar vida à História, que aí,
sim, vai merecer H maiúsculo! Combinado?
Os alunos aplaudem, entusiasmados,
comentam: nossa, massa, uau, professor maneiro!… Saem, e depois ele,
saindo, dá com o diretor nervoso:
– Eu ouvi sua aula, professor, aqui ao
lado da porta, como faço com todo novato! O senhor tire essas ideias da
cabeça, viu? Vai ensinar conforme o programa, começando pelo
descobrimento, as três caravelas, a calmaria etc. Entendido? Ora, onde
já se viu, História viva… Só por cima do meu cadáver!
O professor novato vai pelo corredor,
sentindo-se morrer por dentro. Na sala dos professores, nas paredes
estão Tiradentes e o crucifixo de Jesus, dois mártires. Ele chora,
perguntam por que, apenas consegue dizer “não é nada, é uma longa
História”.
Domingos Pellegrini, na Gazeta do Povo
Oie, te achei!
ResponderExcluirQue bom te achar "atuante".
Estava procurando na internet fotos da escola Nossa Senhora de Fatima de Ruralminas e achei seu blog! Mt bem feito, parabéns!
Estava lendo a história do professor de História, um exemplo bom a se seguir..
Bjs
Flavia